quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Só não sujam os que têm que limpar

Ainda não são 8h da manhã e já estão várias ruas limpas. Não estão todas. A minha não está; possívelmente só no final da feira ou quando chover a sério.

Os acessos ao Largo do Arneiro são soprados, varridos, lavados se possível.

Passam pouco das 8h e já anda um cavalo no Arneiro. Ou ainda anda um cavalo no Arneiro. Não sei. Teria que perguntar se dormiu.

Há copos pelo chão, garrafas, papéis. Há beatas, há latas, há maços de tabaco e cascas de castanhas assadas. Por incrível que pareça, a bosta dos cavalos é o menos no meio de tanta imundície.

Por mais caixotes do lixo que existissem, ia sempre haver um esperto que, por preguiça, atiraria o lixo ao chão. Será que na casa deles também é assim?

A feira funciona não porque tem milhares de visitantes, mas porque tem quem limpe a porcaria que fazem. Os visitantes e os de cá. Só não sujam os que têm que limpar.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Já anda aí muita gente

Gente de fora, gente que não é de cá.

Percebe-se logo. Vestem coletes alcochoados, porque já começa a estar fresco, e usam aquelas meias de xadrez até ao joelho. Aqui ninguém usa nada disso, excepto na feira. Nem ninguém usa os famosos chapéus de aba larga e, mesmo os bonés, só são vistos em cabeças acima dos 70 anos ou em meia dúzia cabeças mais jovens que, por acaso, trabalham no campo ou com cavalos.

Há muito que os pavilhões começaram a ser montados no Largo no Arneiro.

O novo espaço para barraquinhas de bugigangas e comes e bebes ainda há dias estava em terra e agora já está a ficar composto. É a grande novidade deste ano. Vão-se os cavalos e fica a Feira Franca, como antigamente.

Há coisas que parece impossível estarem prontas a tempo... Mas tudo se arranja.

As limpezas começaram há bastante tempo e hoje já se vêem colchões a entrar portas adentro.

As frontarias mal ou bem já têm a cara lavada, mesmo que por dentro ainda se pinte uma parede ao mesmo tempo que se carregam fardos de palha.

Há muito a fazer até a feira começar.

Arejar casas, limpar, arrumar, trazer tudo aquilo que faz falta às pessoas e aos cavalos.

As meninas a puxar trolleys em ritmo apressado como se estivessem a ir tirar o paizinho da forca só chegam depois da feira ter começado. Tem que ser uma entrada em bom, se ninguém vir, não aconteceu. Vêm eléctricas, não têm calma. Vêm para o campo com o espírito da cidade, andam sempre a correr com ar altivo, de nariz empinado e telemóvel na mão. Sim, já sei, isto é tudo delas.

As pessoas a passear os cãezinhos só na feira aparecem em força, por agora, só os habituais e pouco mais.

Quem aluga quartos, casas, cavalariças, garagens, buracos para fechar os olhos depois das noites de copos, já alugou ou arrisca-se a pagar o dobro ou a dormir no carro. É um negócio lixado.

Duas senhoras na mercearia falam da confusão que já aqui vai. "Já anda aí muita gente, venho aqui hoje porque depois não se pode andar por aí". Nem toda a gente gosta da feira.

Já anda aí muita gente e muita mais vai andar nos próximos dias. A feira começa dia 1 mas, para começar, já teve que ter começado muito antes.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

FNC|FICL|FSM 2024 @Golegã

 


domingo, 27 de outubro de 2024

Os senhores ricos dos cavalos (ou a estúpida incapacidade de respeitar todos por igual)

Mais uma volta ao sol e cá estamos nós em vésperas de S. Martinho novamente.

Se calendários faltassem, bastaria observar a azáfama de obras e limpezas que vai na Capital do Cavalo. Seja a que dia da semana for ou hora do dia.

Tema antigo, bem sei. Mas ainda nem tudo foi dito.

Há diferenças entre ser-se um goleganense que vive 365 dias por ano aqui e um goleganense de fim-de-semana (que, na realidade, nem de fim-de-semana é).

Quem aqui vive, salvo raras excepções, não tem cavalos, a maioria não tem ar de rico, é, aparentemente, um cidadão de segunda.

Quem aqui vive faz umas obras para alugar todo e qualquer canto e ganhar umas coroas durante a feira.

Quem aqui vem de vez em quando dar ar ao capote e passear os cavalos, que podem ou não ser seus, traz consigo todo um ar de agrobeto endinheirado e é, por isso, uma pessoa digna da medalha de cidadão de primeira.

Quem aqui vem de vez em quando e está farto de alugueres, compra terrenos, constrói casas e cavalariças, tudo para vir cá meia dúzia de vezes por ano enquanto o imóvel for novidade.

Os cidadãos de segunda não tem "quereres", não podem ter pressa, não se podem dar ao luxo de exigir datas a quem pagam para lhe fazer as obras, que até podem nem ter nada a ver com alugueres de feira. Não são respeitados porque não têm ar de ricos, toda a gente os conhece daqui e, por isso, não são relevantes na sociedade. A eles não são cumpridas sequer as horas de trabalho devidas num dia, quanto mais cumpridas as já referidas datas.

Os cidadãos de primeira têm pulseira vermelha, prioridade, via verde, o que lhe queiram chamar. Podem exigir prazos, são respeitados e podem tudo o mais que imaginem. Como têm ar de ricos são, certamente, pessoas importantes (seja lá isso o que for) e nada lhes é negado. Aliás, tudo lhes é facilitado. Para os cidadãos de primeira, as horas de trabalho devidas num dia também não são cumpridas, mas porque para estes trabalha-se até fora de horas para não melindrar os senhores. Os cidadãos de primeira têm os pés beijados e as botas bem lambidas, para não dizer o cu.

Eu encaixo-me na categoria de cidadã de segunda. Posso esperar mais de 4 anos pelo fim de uma obra de 4 meses. E ai de mim que exija datas, de nada vale, não tenho ar de rica, não tenho cavalos, não sou agrobeta e, pior, nasci aqui e toda a gente sabe disso, logo, ninguém me respeita.

E enquanto vão brincando às casinhas com os seus clientes ricos dos cavalos, ignorando os desgraçados e pobrezinhos conterrâneos que não lhes merecem respeito, os empreiteiros não percebem que perdem mais do que aquilo que ganham.

Diz o ditado que "quem bate esquece, quem apanha não". E é bem verdade.

Espero que todos os senhores ricos dos cavalos fiquem felizes com as suas obras miraculosamente terminadas a tempo do S. Martinho.

Nós, os ditos cidadãos de segunda, vamos continuar na luta pela justiça e pelo respeito, a penar para que alguém se digne ao menos a aparecer e terminar o que começou, mesmo que não seja a tempo da feira.

Nós, os pobrezinhos, que temos que implorar para que trabalhem para nós, vamos continuar a exigir respeito.

Nós, os desgraçados que não nascemos com cara de ricos, lembramos que as aparências iludem.

Lembramos também que não nos estão a fazer favor nenhum ao trabalharem para nós, que pagamos como os outros (talvez até mais cedo porque não gostamos de estar a dever nada a ninguém).

E lembramos ainda que não se deve cuspir no prato em que se come; o que não faltam por aí são empreiteiros que, não sendo daqui, se estão a cagar para a feira, para os cavalos e para a aparência dos donos.

É válido para empreiteiros e obras, cenário aqui retratado, mas é igualmente válido para outras profissões e outras situações.

Não há cidadãos de primeira, nem há cidadãos de segunda. O dinheiro vale o mesmo nas mãos de toda a gente, assim se cumpram os contratos, as promessas, as datas. Assim haja compromisso e respeito.

Conterrâneos, deixem-se disso, parem de idolatrar quem, ao contrário do que julgam, não vê em vocês um empreiteiro de primeira. Nem um pedreiro, um cozinheiro, um canalizador ou um senhorio. Vê alguém parvo o suficiente para se vergar e beijar os seus pés sujos. Não vê nem tem poder algum para vos catalogar ou vos atribuir valor, mesmo tendo cavalos e ar de rico. Tal como vocês não tem poder ou moral para julgar os vossos clientes comuns e os tratarem como cidadãos de segunda a quem não devem respeito.

Deixem-se de merdas.