Mais uma volta ao sol e cá estamos nós em vésperas de S. Martinho novamente.
Se calendários faltassem, bastaria observar a azáfama de obras e limpezas que vai na Capital do Cavalo. Seja a que dia da semana for ou hora do dia.
Tema antigo, bem sei. Mas ainda nem tudo foi dito.
Há diferenças entre ser-se um goleganense que vive 365 dias por ano aqui e um goleganense de fim-de-semana (que, na realidade, nem de fim-de-semana é).
Quem aqui vive, salvo raras excepções, não tem cavalos, a maioria não tem ar de rico, é, aparentemente, um cidadão de segunda.
Quem aqui vive faz umas obras para alugar todo e qualquer canto e ganhar umas coroas durante a feira.
Quem aqui vem de vez em quando dar ar ao capote e passear os cavalos, que podem ou não ser seus, traz consigo todo um ar de agrobeto endinheirado e é, por isso, uma pessoa digna da medalha de cidadão de primeira.
Quem aqui vem de vez em quando e está farto de alugueres, compra terrenos, constrói casas e cavalariças, tudo para vir cá meia dúzia de vezes por ano enquanto o imóvel for novidade.
Os cidadãos de segunda não tem "quereres", não podem ter pressa, não se podem dar ao luxo de exigir datas a quem pagam para lhe fazer as obras, que até podem nem ter nada a ver com alugueres de feira. Não são respeitados porque não têm ar de ricos, toda a gente os conhece daqui e, por isso, não são relevantes na sociedade. A eles não são cumpridas sequer as horas de trabalho devidas num dia, quanto mais cumpridas as já referidas datas.
Os cidadãos de primeira têm pulseira vermelha, prioridade, via verde, o que lhe queiram chamar. Podem exigir prazos, são respeitados e podem tudo o mais que imaginem. Como têm ar de ricos são, certamente, pessoas importantes (seja lá isso o que for) e nada lhes é negado. Aliás, tudo lhes é facilitado. Para os cidadãos de primeira, as horas de trabalho devidas num dia também não são cumpridas, mas porque para estes trabalha-se até fora de horas para não melindrar os senhores. Os cidadãos de primeira têm os pés beijados e as botas bem lambidas, para não dizer o cu.
Eu encaixo-me na categoria de cidadã de segunda. Posso esperar mais de 4 anos pelo fim de uma obra de 4 meses. E ai de mim que exija datas, de nada vale, não tenho ar de rica, não tenho cavalos, não sou agrobeta e, pior, nasci aqui e toda a gente sabe disso, logo, ninguém me respeita.
E enquanto vão brincando às casinhas com os seus clientes ricos dos cavalos, ignorando os desgraçados e pobrezinhos conterrâneos que não lhes merecem respeito, os empreiteiros não percebem que perdem mais do que aquilo que ganham.
Diz o ditado que "quem bate esquece, quem apanha não". E é bem verdade.
Espero que todos os senhores ricos dos cavalos fiquem felizes com as suas obras miraculosamente terminadas a tempo do S. Martinho.
Nós, os ditos cidadãos de segunda, vamos continuar na luta pela justiça e pelo respeito, a penar para que alguém se digne ao menos a aparecer e terminar o que começou, mesmo que não seja a tempo da feira.
Nós, os pobrezinhos, que temos que implorar para que trabalhem para nós, vamos continuar a exigir respeito.
Nós, os desgraçados que não nascemos com cara de ricos, lembramos que as aparências iludem.
Lembramos também que não nos estão a fazer favor nenhum ao trabalharem para nós, que pagamos como os outros (talvez até mais cedo porque não gostamos de estar a dever nada a ninguém).
E lembramos ainda que não se deve cuspir no prato em que se come; o que não faltam por aí são empreiteiros que, não sendo daqui, se estão a cagar para a feira, para os cavalos e para a aparência dos donos.
É válido para empreiteiros e obras, cenário aqui retratado, mas é igualmente válido para outras profissões e outras situações.
Não há cidadãos de primeira, nem há cidadãos de segunda. O dinheiro vale o mesmo nas mãos de toda a gente, assim se cumpram os contratos, as promessas, as datas. Assim haja compromisso e respeito.
Conterrâneos, deixem-se disso, parem de idolatrar quem, ao contrário do que julgam, não vê em vocês um empreiteiro de primeira. Nem um pedreiro, um cozinheiro, um canalizador ou um senhorio. Vê alguém parvo o suficiente para se vergar e beijar os seus pés sujos. Não vê nem tem poder algum para vos catalogar ou vos atribuir valor, mesmo tendo cavalos e ar de rico. Tal como vocês não tem poder ou moral para julgar os vossos clientes comuns e os tratarem como cidadãos de segunda a quem não devem respeito.
Deixem-se de merdas.